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Iom Ierushalaim 2023

Para muitos de nós, Jerusalém se tornou mais do que um ideal espiritual do que um lugar real. A celebração de Iom Ierushalaim, ou o Dia de Jerusalém, marca a reunificação após vitória militar de 1967. Este dia costuma se transformar em um momento para retórica sobre a perfeição de Jerusalém.  Podemos mencionar a antiga declaração rabínica de que 9/10 da beleza do mundo se encontra em Jerusalém. Falamos de Jerusalém como a cidade da paz e como a cidade sagrada. Cantamos a canção de Naomi Shemer, “Jerusalém de ouro, de bronze, de luz”.

Um tanto deste discurso reflete um cuidado político consciente de encerrar qualquer discussão sobre o status de Jerusalém em um acordo de paz. Um tanto deste discurso vem do desejo bem-intencionado de deixar de lado a política e focar no significado religioso de Jerusalém, mas nada que diga respeito a Jerusalém é apolítico.

Quando escolhemos falar sobre Jerusalém somente em termos idealísticos, deixamos de lidar com a confusão essencial do lugar. Na Jerusalém real, as pessoas trabalham, tem obrigações e se preocupam com seus filhos. Na Jerusalém real, o ultra-ortodoxo Haredi e israelenses seculares discutem leis sobre o Shabat e linhas de ônibus separadas. Na Jerusalém real, os que falam inglês e israelenses abastados comem sushi em cafés de luxo e, também, é a cidade com maior índice de pobreza. Na Jerusalém real, ativistas e defensores inspirados devotam suas vidas para criar uma cidade melhor para todos os moradores. Na Jerusalém real, judeus, mulçumanos e cristãos vêm rezar.

A desconexão entre a ideia de Jerusalém e a realidade do lugar não é um fenômeno novo. Os textos clássicos judaicos fazem distinção entre “Ierushalaim shel mala”, a Jerusalém celestial, espiritual, e “Ierushalaim shel mata”, a Jerusalém terrena. Em Ierushalaim shel mala, Deus é visível, o sofrimento está ausente e existe perfeição. Na Ierushalaim shel mata, as pessoas reais lutam com profundos conflitos políticos, religiosos e pessoais.  Em Ierushalaim shel mata a perfeição permanece indefinida.

Quando falamos somente sobre a beleza e a santidade de Jerusalém, efetivamente agimos como se já vivêssemos na Ierushalaim shel mala. Este enfoque segue a maneira de nosso progresso em assegurar que Jerusalém atual é um lugar justo e pacífico. Se formos capazes de nos ligar à Ierushalaim shel mata, com toda sua confusão e complexidade, temos uma chance de criar um futuro melhor para a cidade. Significa visitar comunidades religiosas e seculares, compreender suas tensões, assim como o que elas têm em comum. Significa visitar os bairros mais pobres e mais ricos da cidade. Jerusalém se tornou o principal campo de batalhas para o processo de paz e para debates internos sobre a natureza da sociedade israelense.  O status de Jerusalém nesses debates é tanto simbólico como real.

Os rabinos do Talmud descrevem Jerusalém como o portal dos céus.  Há, de acordo com esses textos, uma linha direta de Jerusalém até o trono Divino. Entretanto, esses mesmos rabinos afirmam que uma das portas para “gehenom”, o submundo, também fica em Jerusalém. Jerusalém, a mais sagrada de todas as cidades, oferece a possibilidade do encontro Divino, mas mesmo os antigos rabinos compreendiam o outro lado desta santidade: podemos ficar tão envolvidos em nossas próprias aspirações religiosas que não conseguimos ver que estamos entrando em território infeliz.

Vamos tornar Iom Ierushalaim um momento para conversação comunitária real sobre a história confusa, complicada e emocionante, realidade e futuro da cidade. Se tivermos sucesso nisto, podemos levar a nós mesmos um passo mais próximo de perceber Ierushalaim shel mala. Recentemente li o livro “Os Primeiros-Ministros: Uma Narrativa Íntima da Liderança Israelense”, um relato exaustivo da dramática história de Israel contada através da ótica muito pessoal e bem colocada de um veterano diplomata que foi assessor de Levi Eshkol, Golda Meir, especialmente próximo a Yitzchak Rabin e Menachem Begin, escrito pelo embaixador Yehuda Avner, que trabalhou com eles.

Avner conta que quando tinha 18 anos, em novembro de 1947, fez aliá saindo de Manchester e cruzando o Mediterrâneo com centenas de sobreviventes que buscavam uma nova vida no que era então a Palestina, e em breve seria Israel. Gostaria de compartilhar com vocês uma carta que Avner incluiu no início do livro, que me emocionou até com lágrimas. Ele conta a história de Esther Cailingold, que ele conhecia do Bnei Akiva, na Inglaterra. Ela fizera aliá aos 20 anos, em 1946.  Ambos, ela e Yehuda, viviam em Jerusalém quando seus caminhos se cruzaram naturalmente. Quando o cerco de Jerusalém começou, ela se apresentou como voluntária na Haganá.

Certo dia ela lhe disse que estava no lugar mais perigoso de Jerusalém, a Cidade Velha. Por quê?  Porque “o grupo de defesa judaica da Cidade Velha estava precisando desesperadamente de reforços”.  E ela foi. Ela escreveu uma carta para a família:

Queridos papai, mamãe e todos,

Caso recebam esta, será, creio, uma de minhas cartas tipicamente confusas. Estou lhes escrevendo para pedir que, o que quer que me aconteça, vocês se esforcem para assimilar que foi o que eu quis e compreendam que, no que me diz respeito, não tenho arrependimentos. 

Tivemos uma batalha amarga:  provei o Gehenom – mas valeu a pena porque estou convencida de que no final veremos um estado judeu e a realização de nossos anseios.

Serei somente uma entre muitos que têm caído em sacrifício e me apressei em escrever isto porque um em particular, que significava muito para mim, foi morto hoje. Porque a tristeza que senti, quero que enfrentem de outra maneira – lembrando que fomos soldados e tínhamos a causa mais nobre pela qual lutar. Deus está conosco, eu sei, em Sua Cidade Sagrada, e estou orgulhosa e pronta a pagar o preço que for preciso para redimi-la.

Não imaginem que eu esteja correndo “riscos desnecessários”.  Isto não conta quando o poder do homem é pequeno. Espero que tenham a oportunidade de encontrar algum de meus companheiros de luta que sobrevivam se eu não sobreviver e que fiquem felizes e não tristes quando eles falarem de mim.  Por favor, não fiquem mais tristes do que possam evitar. Vivi minha vida plenamente, ainda que brevemente, e acho que esta é a melhor maneira – “curta e doce”. Muito doce ela tem sido aqui em minha própria terra.  Espero que tenham com Mimi e Asher a satisfação que não tiveram comigo. Se não houver arrependimentos, então eu também ficarei feliz. Penso em todos vocês, em cada um de vocês na família e estou plenamente contente e penso que vocês algum dia, muito em breve espero, virão e apreciarão os frutos pelos quais estamos lutando. Muito, muito amor, sejam felizes e me recordem com alegria.

Shalom and Lehitraot

A Esther que ama vocês.

Mais tarde Yehuda Avner casou-se com a irmã de Ester. Ela foi ferida mortalmente, mas a carta sobreviveu.

"Deus está conosco, eu sei, em Sua Cidade Sagrada, e estou orgulhosa e pronta a pagar o preço que for preciso para redimi-la. Provei o Gehenom – mas valeu a pena porque estou convencida de que no final veremos um estado judeu e a realização de nossos anseios."

Rabino Adrián Gottfried

Thu, 21 November 2024 20 Cheshvan 5785